Literacia/Letramento e Alfabetização


Alfabetização e Letramento e ou Literacia , e  a contribuição de Magda Soares


O processo de aprendizagem da língua escrita inicia-se naturalmente, espontaneamente, a medida que à criança junto à família, insere-se num mundo  de letras , imagens, sons e palavras , por onde  circula e, assim sendo, abstrai-se e absorve um conhecimento prévio. 
E que,  por ver, por presenciar, por vivenciar um mundo de oportunidades, assim o faz. 

Considerando que a criança aprende tudo, absolutamente tudo, com seus olhos ávidos por aprender, com suas atitudes, curiosas na constante busca pelo novo, pelo que lhe é oferecido, em nós,  reside a responsabilidade por essa aprendizagem, cabendo a nós professores, educadores, participantes direta ou indiretamente deste processo dessas descobertas,  oferecer inúmeros e oportunos momentos, enriquecedores, e que junto a família possibilitam condições para que as aprendizagens aconteçam.
“[...]no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento.” (SOARES, 2003)

Quando se fala em alfabetizar se pensa na formação de conceitos a fim de aprimorar-se frente as metodologias, facetas e procedimentos teórico e práticos, fundamentados, com intencionalidade, com propriedade que orientam no processo da aprendizagem.
E como falar em aprendizagem sem se atentar ao estudo da psicogênese , de como a criança aprende, como se dá o desenvolvimento dos processos mentais, de como elas pensam em seus percursos de aprendizagem.

Geralmente inicia-se pelo desenho iconográfico, garatuja, fase pré-silábica sem valor sonoro, pré-silábico com valor sonoro, silábico-alfabético, alfabético, ortográfico.

Vamos exemplificar  com a palavra  PETECA.
Iconográfico , um desenho qualquer
Garatuja , rabiscos
Pré-silabico ,  letras soltas MBFABV
Silábico sem valor sonoro, FMB  ( a criança escreve associando as letra de acordo a sua fala )
Silábico com valor sonoro, PEK   ( a criança já percebe algumas letras/sílabas  na palavra ) consciência fonológica , associação entre som e letra )
Silábico Alfabético,  PTKA  ( aprimorando a consciência fonológica )
Alfabético,  PETEKA 
Ortográfico   PETECA

E assim a criança vai percebendo que cada palavra é formada por pedaços e ela vai associando fonemas e grafemas, se apropriando . Ela vai relacionando som com o nome da letra e sua forma e assim tomando consciência , ampliando seu conhecimento, evidenciando e formando assim as palavras, tomando consciência do conceito do sistema alfabético.

A alfabetização, além de representar fonemas (sons) em grafemas (letras), no caso da escrita e representar os grafemas (letras) em fonemas (sons), no caso da leitura, os aprendizes, sejam eles crianças ou adultos, precisam, para além da simples codificação/decodificação de símbolos e caracteres, passar por um processo de “compreensão/expressão de significados do código escrito” (SOARES, 2013, p. 16).

Há uma especificidade morfológica, sintática e semântica da língua escrita: não se escreve como se fala, mesmo quando se fala em situações formais; não se fala como se escreve, mesmo quando se escreve em contextos informais.

Condicionantes do processo de alfabetização .


Processo de alfabetização sofre com a marca da discriminação; 
A escola valoriza a língua escrita e censura a língua oral espontânea que se afaste da língua ‘culta’; 
Crianças de classes privilegiadas adaptam se mais facilmente às expectativas da escola.
Língua oral culta ou língua escrita X Práticas linguísticas das crianças de classes populares Dialetos diferentes Essas práticas são rejeitadas pela escola e, mais que isso, atribuídas a um ‘déficit linguístico’, que seria acrescentado a um ‘déficit cultural’, conceitos insustentáveis, quer do ponto de vista científico (segundo as ciências linguísticas e as ciências antropológicas, línguas e culturas são diferentes umas das outras, não melhores ou piores), quer do ponto de vista ideológico.

Na Psicogênese da Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky em meados da década de 70 passa a entender a alfabetização não como um simples método a ser seguido pelos professores para que os estudantes decorem e se apropriem do alfabeto, mas como um processo complexo e multifacetado, que ocorre quando esses estudantes se apropriam do sistema de escrita alfabética. 

As contribuições da Psicogênese nos apresenta o processo de como as crianças se apropriam da cultura escrita,, ela não prescreveu uma metodologia ou inventa práticas pedagógicas de alfabetização, nos fornece um instrumento ao professor para aferir os conhecimentos linguísticos das crianças e nos faz entender que a partir da escrita espontânea a criança pensa sobre as regras que constituem o sistema de escrita, ou seja, a criança se apropria e internaliza o seu conhecimento. Sistema de Escrita Alfabética Sistema Notacional Sistema em que existe um conjunto de regras que definem como os símbolos (letras) funcionam para poder substituir os elementos que registram (sons).

A aprendizagem dessas “regras e convenções do alfabeto não é algo que se dá da noite para o dia, nem pela mera acumulação de informações que a escola transmite, prontas, para o alfabetizando” (MORAIS, 2012, p. 48), mas por um percurso evolutivo em que “os aprendizes precisam dar conta de dois tipos de aspectos do sistema alfabético: os conceituais e os convencionais” (MORAIS, 2012, p. 50).

Os aspectos do Sistema de Escrita Alfabética Conceituais nos faz entender que as letras representam sons e como essas letras são organizadas para criar essas representações Convencionais.

Entender que as regras adotadas e que podem ser mudadas por acordo social , na visão de Artur Gomes de Morais, em seu livro ‘Sistema de Escrita Alfabética’, apresenta um quadro com um conjunto de propriedades que os alunos precisam reconstruir para se tornarem alfabetizados.

1. Escreve-se com letras, que não podem ser inventadas, que têm um repertório finito e que são diferentes de números e de outros símbolos;
2. As letras têm formatos fixos e pequenas variações, que produzem mudanças em sua identidade (p, q, b, d); 
3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada; 
4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras, ao mesmo tempo em que distintas palavras compartilham as mesmas letras;
5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras e nem todas as letras podem vir juntas de quaisquer outras; . As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e nunca levam em conta as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem; 
7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos; 
8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos sons poderem ser notados com mais de uma letra. 
9. Além de letras, na escrita de palavras usam-se, também, algumas marcas (acentos) que podem modificar a tonicidade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem. 
10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV, CCV, CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV (consoante - vogal), e todas as sílabas do português contém, pelo menos, uma vogal.
E essas etapas acontecem por níveis de hipóteses de escrita que vai desde o iconográfricoate se chegar ao ortográfico.

Pré-silábico, nesta etapa, as crianças não diferenciam desenhos, símbolos ou letras. É bastante comum, nessa fase, encontrarmos registros de ‘tracinhos’, ‘bolinhas’ e ‘ondinhas’ enquanto as crianças ‘brincam de escrever ‘.

Silábico (com e sem valor sonoro), é possível de ser identificado quando percebemos que as crianças, ao fazerem a tentativa de leitura de uma determinada sequência de letras que escreveram, o fazem dividindo essa palavra em sílabas, independente dessas letras estarem relacionadas ao som que de fato produzem ou não. DIV ERN GÇS (BO NE CA) Nível silábico sem valor sonoro : Ao ler o que escreveu, a criança separa uma quantidade de letras que correspondem às sílabas da palavra BONECA, sem que essas façam relação sonora . O E A (BO NE CA) B N A (BO NE CA) Nível silábico com valor sonoro: Ao escrever, a criança faz a relação da letra com seu fonema mais forte (no primeiro caso foram as vogais e no segundo, as duas primeiras sílabas as consoantes e na última sílaba a vogal), ou seja, cada letra utilizada corresponde a um fonema que compõe a sílaba. 

Silábico Alfabético, é nesse nível que as crianças passam a fazer relações mais aprofundadas acerca da composição das sílabas, pois em vez de representar uma letra para cada sílaba, percebem que é necessário ‘juntar’ determinadas letras para se conseguir os sons que as sílabas representam, ou seja, se antes escreviam BONECA com O E A, nessa fase a hipótese utilizada poderia ser: BO – E – CA. 
Os alunos apresentam  “um domínio muito maior das correspondências entre grafemas e fonemas que o exigido para escrever segundo a hipótese silábica” (MORAIS, 2012, p. 62).
Esse nível se constitui como uma etapa de grande aprendizado e um momento de transição entre o nível silábico e o nível alfabético.
Alfabético, esse é o nível final do processo de alfabetização. Quando a criança atinge essa fase, ela escreve as palavras utilizando uma letra (grafema) para cada som (fonema), mas ainda apresenta muitos erros ortográficos.
Exemplos: PAN (PÃO) ACANPAMENTO (ACAMPAMENTO) MÓVEU (MÓVEL)

“O domínio da escrita alfabética, portanto, implica não só o conhecimento e o uso ‘cuidadoso’ dos valores sonoros que cada letra pode assumir, no processo de notação, mas o desenvolvimento de automatismos e agilidades nos processos de ‘tradução do oral em escrito’ (no ato de escrever) e de ‘tradução do escrito em oral’ (no ato de ler)”. (MORAIS, 2012, p. 66).

È preciso ter diferentes métodos de alfabetização, de construção da escrita, de se obter a consciência fonológica de cada palavra e são muitos os pilares para que a alfabetização aconteça.
Quando se pesquisa quais métodos de alfabetização são usados em sala de aula, surgem diferentes apontamentos, onde se misturam vários métodos e vários fatores que atravessam esses métodos, onde muitas das vezes, diferentes profissionais atuam para que a aprendizagem aconteça, conscientes de que cada método e cada profissional, seja um psicólogo, um fonoaudiólogo ou mesmo professor  tem a sua contribuição a dar.
Em alguns casos, você tem um ensino mais direto, explícito.
Se quiser, pode deixar na visão construtivista, para a criança adivinhar, descobrir de tanto mexer com a escrita. Mas não é justo com ela. É algo construído culturalmente, que você vai ensinar a ela. Isso não quer dizer que ela tenha de ficar fazendo aqueles exercícios de método fônico, mas deve ter um ensino explícito. Ao mesmo tempo, isso pode ser acompanhado de elementos do construtivismo, como o convívio com material escrito, conhecendo diferentes portadores da escrita e gêneros textuais. Aí, não se trata de ensino explícito, e sim de ensino indireto, com a criança envolvida nesse mundo da escrita. É como se esse objeto “língua escrita” fosse composto de vários sub objetos, cada um com sua peculiaridade, exigindo determinadas habilidades e processos cognitivos da criança, que têm de acompanhar o processo de desenvolvimento dela, sem dar saltos.
E também não pode retroceder, que é o que muitos têm feito quando negam à criança o início da alfabetização na educação infantil.
O único jeito de uma pessoa alfabetizar conscientemente, sabendo o que está acontecendo com a criança, que hipóteses ela está fazendo, que interferência fazer em cada momento, é saber que estratégia usar.
Não há um método fechado, há um diálogo entre teoria e prática e há evidências de que não basta um ambiente alfabetizador e quem alfabetiza de fato é o professor que com suas inúmeras facetas, considerando a essência do aluno, o que ele traz consigo, a maneira como ele aprende, suas possibilidades de aprendizagem considerando seu contexto social, familiar, cultural, onde cada criança tem as suas especificidades e que, portanto, não há receita, há práticas diárias em meio a planejamento, ações , intervenções, intencionalidades e resultados.

Na visão de Magda Soares, pesquisadora, referência no que diz respeito ao processo de alfabetização e letramento afirma que não há métodos específicos, pré determinados, e sim que são campos de conhecimento que o professor deve conhecer bem para saber como agir para transformar esse conhecimento em um objeto do qual o aluno possa se apropriar.
E há de se considerar que se  tem mudado de método a todo momento ao longo das décadas e nunca se consegue resolver a questão, o problema de alfabetizar todas as crianças ou, pelo menos, a maioria delas no tempo certo.
Os professores alfabetizadores sempre perguntam: que método usar? E eles são tão espertos e lúcidos que falam: “eu uso o método eclético”. Ou seja, eles misturam vários e tiram de cada um aquilo que está dando certo para seus alunos.
Existe um consenso internacional sobre um método que funcione para todo um país ou para a maioria deles? Ou isso varia muito de língua para língua?
Considera-se que nos outros países, pelo menos nos mais avançados, essa questão do método já está superada. Como eu achava que também estava superada entre nós –até que esse governo começou a dar declarações extremamente perigosas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, houve por muito tempo a chamada “guerra do métodos”, que era fundamentalmente entre o método global e o método fônico, como se fossem duas coisas que se opusessem. Praticamente, essa guerra já está vencida nos Estados Unidos. Há algum tempo não vejo nas bibliografias uma discussão sobre essa questão.

Na Finlândia, que é tida como uma das melhores nações do mundo na educação, se você perguntar qual é o método que eles usam para alfabetizar, você não consegue uma resposta para isso. 
Não é o método, a questão está em outro lugar.
Que lugar seria esse?
Com essa posição de achar que a questão era só de como fazer, deixou-se de lado o que é aprender a ler na escrita. Esse é o ponto importante. As pesquisas e teorias a respeito de como a criança aprende um objeto –no caso, a língua escrita, extremamente abstrata– é um objeto cultural.
Isso se justifica também porque as teorias psicológicas e linguísticas demoraram a se voltar para essa questão dos processos cognitivos e linguísticos por meio dos quais a criança se apropria desse objeto que é a língua escrita.

A questão continua a ser tratada como se fosse uma questão da pedagogia –e não é só da pedagogia.

Pedagogia entra depois que você tem fundamentos para definir como a criança aprende e, portanto, como eu, enquanto professora, vou ensinar. Essa é a posição moderna e atual e devemos isso ao grande desenvolvimento da ciência linguística a partir do momento em que considerou também as teorias psicológicas, principalmente a psicogênese, que é chamada incorretamente de construtivismo e agora falam no “método construtivista”, há escolas que se dizem construtivistas... Isso distorce inteiramente a questão porque é uma teoria que virou um método.

A própria Emília Ferreiro [que desenvolveu a psicogênese da língua escrita] reage bravamente contra isso, reforçando que ela não propõe um método. Ela estudou o desenvolvimento psicogênico da criança na interação com a língua escrita. Mas isso não é suficiente.

Magda Soares afirma que o professor, o educador tem as teorias cognitivas propriamente para entender quais são as alterações cognitivas que a criança desenvolve ou precisa desenvolver para entender a língua escrita, que depende primeiro da criança descobrir uma coisa que a humanidade levou milhares de anos para descobrir: que a gente pode registrar, visualizar os sons da língua, ao invés de desenhar.
Esse é o elemento fundamental da criança no processo de alfabetização. Quando se fala em método fônico, dá-se um salto enorme em cima de etapas que a criança precisa passar até esse ponto –que eu diria que é quase o ponto final– de relacionar a letra com o som. Antes disso, ela precisaria ver que o som ou o que a gente fala pode ser transformado em tracinhos no papel.
Esse é o ponto-chave.
A maior parte das crianças que são classificadas como tendo “dificuldade de aprendizagem” na alfabetização –e eu tenho experiência pessoal de pesquisa– é de crianças que ainda não descobriram, não se deram conta porque ninguém as ajudou a ver que a gente escreve o som das palavras. Quando você fala em método, você tem que considerar todas essas teorias linguísticas, psicogenéticas e articular porque a criança vivencia tudo isso ao mesmo tempo quando está aprendendo a língua escrita.
Em seu último livro, “Alfabetização: a Questão dos Métodos”,  afirma que a questão não é ter método para alfabetizar, a questão é alfabetizar com método.
E alfabetizar com método exige o conhecimento de como a criança aprende cognitivamente, como se dá o desenvolvimento psicogenético, em que momento você pode entrar com cada um dos aspectos da alfabetização, o que é esse objeto linguístico.

"Levei quatro anos escrevendo “Alfabetização: a Questão dos Métodos” porque meu objetivo era buscar em todas as fontes possíveis, nacionais e internacionais, as evidências científicas sobre o processo de aprendizagem da língua escrita pelas crianças."

As evidências são muitas e de várias naturezas: psicologica, psicogenética, linguística, fonologica... é preciso articular tudo isso para se chegar a este processo. Não é uma questão de método. É uma questão de formação.

Há de se considerar que essa construção, este processo de  aprendizagem acontece por várias etapas, é uma construção em que à escola e tudo que nela há envolve, acrescenta, promove, gira em torno do processo de aprendizagem; o uso de diferentes espaços, a organização para que se possa contemplar as partes que compõem o todo neste processo; as brincadeiras, os campos dirigidos, a musicalização, as parlendas, as narrativas por meio da leitura e da escrita, o manuseio e exploração de diferentes materiais,   as inúmeras possibilidades é que farão  toda a diferença nesse processo.  

E torna-se claro e evidente que é preciso investimento na formação de alfabetizadores.



Parte dessa leitura foi retirado do blog de Stella Bortoni e que trouxe contribuições e aprendizagens ao processo de alfabetização e letramento.

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