Alteridade Constrói Identidade
A alteridade deve ser entendida a partir de uma divisão
entre um “eu” e um “outro”, ou entre um “nós” e um “eles”. O “outro” tem
costumes, tradições e representações diferentes às do “eu”: por isso, faz parte
de “eles” e não de “nós”. A alteridade implica colocar-se no lugar ou na pele
desse “outro”, alternando a perspectiva própria com a alheia.
Mesmo sem percebermos ou ainda sem dizer uma única palavra,
ao nos confrontarmos com o estranho, o não familiar, de alguma forma, nossas
condutas, ações e pensamentos moldam-se a partir dessa interação. Essa
interação entre o “eu”, interior e particular a cada um, e o “outro”, o além de
mim, é o que denominamos de alteridade. Esse conceito parte do pressuposto de
que todo indivíduo social é interdependente dos demais sujeitos de seu contexto
social, isto é, o mundo individual só existe diante do contraste com o mundo do
outro.
O antropólogo brasileiro Gilberto Velho elucida: “A noção de
outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida que esta efetiva-se
através das dinâmicas socais. Assim sendo a diferença é, simultaneamente, a
base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito.”* Simplificando,
Gilberto Velho mostra de que forma a interação entre a parte íntima e interior
do indivíduo e o outro forma o cerne da vida social. Ao interagirem, os
indivíduos reafirmam o que faz parte de si mesmo e o que faz parte do mundo
externo.
Esse processo de diferenciação é parte também da construção
da identidade do sujeito, que se molda a partir da distinção entre “o que eu
sou” e “o que eu não sou”. Esse ponto leva-nos ao problema fundamental da
questão: a impossibilidade da existência do eu-individual sem o conflito com o
diferente, o estranho, o outro.
Para a Psicologia, trata-se do processo de formação psíquica
do ser humano. Lev Semenovitch Vygotsky é um dos autores da psicologia que se
dedicaram ao estudo do complexo processo de formação e do desenvolvimento
humano. A atividade humana no meio social é o principal impulso que movimenta
todo o processo de formação da psiquê humana. Nesse sentido, o teórico
aproximava-se e concordava em vários aspectos com a teoria marxista acerca do
mundo social e das implicações da ação humana em seu meio. Vygotsky afirmava
isso baseado na ideia de que é pela interação social que o sujeito constrói-se
como indivíduo diante do confronto com o mundo externo. Em suma, ao
distinguirmos aquilo que não somos, também determinamos aquilo que somos.
Para a Antropologia, a alteridade volta-se para a observação
do contato cultural entre grupos étnicos diferentes e dos conflitos
consequentes que se desenvolveram sob diferentes perspectivas. A descoberta do
“Novo Mundo”, isto é, o início da colonização europeia nas Américas, parece ser
o ponto de partida para os questionamentos que envolvem a ideia de alteridade.
O encontro com o “outro” é marcado pelo medo e pelo fascínio, pela distinção
clara entre o que é estranho e o que não é. O contraste cultural, de certa
forma, acaba fortalecendo a noção de que “aquilo que sou é diferente daquilo
que não sou”, o que, em outras palavras, significa dizer que o mundo estranho é
um enorme espelho que reflete o que é familiar ao destacar tudo aquilo que nos
é estranho.
A diferença entre alteridade e empatia consiste em saber
entender e ajudar o outro , já na empatia
Empatia consiste na capacidade psicológica para sentir o que sentiria
outra pessoa caso estivesse vivendo a mesma situação que ela, levando as
pessoas a ajudarem umas às outras. Está ligada ao altruísmo, que é o amor e
interesse ao próximo e à capacidade de ajudar. Consiste em entender melhor o
comportamento e as circunstâncias como o outro age. Saber ouvir os outros,
compreende seus problemas e emoções, ter afinidades e se identificar com outra
pessoa é ser empático, é saber respeitar as diferenças da sociedade. É o
ato de escutar as pessoas e captar suas emoções, para assim chegar a uma
relação compreensiva sem ter necessariamente que concordar com os outros.
Afastando-se de suas próprias razões, pretensões, interesses ideias e pensamentos
para saber pensar a partir da ótica do outro, da necessidade do outro, da razão
do outro, sem julgamento, apresentando alto grau de compreensão, de
conhecimento, de consideração ao momento em questão.
Quando se tolera apenas se concedo, mas é ir aliem, é aceitar
a diferença, estar aberto.
“ Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja
diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma
relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Sobre a
intolerância já fizemos muitas reflexões. A intolerância é péssima, mas a
tolerância não é tão boa quanto parece. Deveríamos criar uma relação entre as
pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância”. José Saramago
Alteridade significa se colocar no lugar do outro na relação
interpessoal, dialogando, valorizando e identificando o outro. A prática da
alteridade está relacionada entre
indivíduos e entre grupos culturais, religiosos, étnicos, etc. É possível
exercer cidadania e estabelecer uma relação pacífica e construtiva com os
diferentes, na medida em que se identifica, entenda e aprenda com o contrário.
Por esse modo, alteridade é quando você se relaciona com outras pessoas ou
grupos, onde é preciso conhecer a diferença, compreender e aprender com a
diferença, respeitando o indivíduo como ser psicossocial. Em outras palavras, é
transformar o que é exótico em familiar.
Alteridade ou Empatia
Uma Educação pautada por essa visão não basta, pois não dá
conta, por si só, de recuperar a esperança de muitos jovens de que seus anseios
e ideias serão acolhidos e de que poderão se expressar no mundo. Para isso é
preciso também construir um ecossistema que conduza a mudanças sociais e
institucionais alinhadas a essa visão. Queremos ajudar a construir juntos a
demanda social por uma educação e uma sociedade pautadas pela visão comum de
que todas as crianças e jovens devem ter a oportunidade de praticar a empatia e
realizar sua potência de sentir e agir. Esse é o nosso inédito (cada vez mais)
viável. Com isso não estamos defendendo
uma educação a serviço de qualquer finalidade prática, como se fosse papel dos
educadores preparar as crianças para uma ideia predefinida de cidadania. Ao
contrário, inspirados por Hannah Arendt, acreditamos que “a educação é o ponto
em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a
responsabilidade por ele”.
As formas com que
essa responsabilidade se manifesta fazem parte de um universo ilimitado de
possibilidades. Tampouco significa que essa responsabilidade tenha que
comprometer a alegria. Para Espinosa, a
alegria é justamente o fruto do aumento da potência de agir e, portanto, também
de pensar e imaginar.
A alegria é a “produção-descoberta de um novo grau de
liberdade” e tem, por isso, uma potência epidêmica. Ela é transmitida não de
quem sabe para quem não sabe, mas de um modo em si mesmo “produtor de
igualdade, alegria de pensar e de imaginar juntos, com os outros, graças aos
outros”.
A empatia , o conectar-se com aquilo que lhe é externo, mas
lhe toca profundamente , é uma
habilidade-chave da vida em sociedade e ainda mais relevante para participar de
um mundo globalizado e em constante mudança como o de hoje.
Lançado no Brasil em setembro de 2015, o programa Escolas
Transformadoras caminha confiante em sua missão: mudar a conversa sobre
educação e sobre o papel de crianças e jovens na transformação da sociedade.
Para cumprir esse desafio, conta com uma comunidade diversa, formada por
equipes de escolas, empreendedores sociais , acadêmicos, jornalistas e
especialistas de diversas áreas do saber. Por meio de suas iniciativas, o
programa procura mostrar que a educação está se abrindo a um novo diálogo,
atravessado por valores e estruturas que colocam os sujeitos no centro do
processo educativo, compreendendo-os como agentes de transformação de suas
próprias vidas, de seus territórios e do mundo.
O Conceito de Empatia,
porém, não deve ser cultivado apenas no ambiente escolar, mas também na rua, no
trânsito, na fila do banco, no mercado ou dentro de casa. É isso que diz a
artista plástica Stela Barbieri em seu artigo “Empatia ainda em tempo”. Mas a
vida parece estar corrida, provoca Barbieri; o tempo é escasso e, sem tempo,
jamais conseguiremos ter empatia, pois precisamos dele para criar laços e
conexões com nós mesmos e com os outros.
De acordo a Jacob Levy Moreno Para que o ser humano se constitua como
sujeito e como ser social, é necessária a presença e o vínculo com outro ser
humano. É possível afirmar que o sujeito se constitui no vínculo, pelo vínculo
e para o vínculo. Quer dizer, o lugar onde a criança se constitui é o vínculo,
com o outro vinculado e para continuar se vinculando.
Partindo do pressuposto que são as escolas e os educadores que oferecem à criança sua
primeira grande oportunidade de vivenciar o mundo fora da família, e que
portanto lhes cabe a importante missão de
reforçar essas percepções
emocionais com as quais as crianças vivenciem . Aprendeu, até então, a
relacionar-se com o mundo, mas também pode introduzir novas percepções, que
ampliem o universo dessa criança. Essa ampliação do universo traz a percepção
de que a família não é “dona da verdade”.
O educador tem a missão de pôr a criança em contato com a realidade que
transcende o universo familiar, com a possibilidade de lhe proporcionar a
vivência das diferenças. A partir de seu vínculo com a criança, prepara-a para
lidar com a diversidade e os conflitos que dela advêm. Assim, o professor é
aquele que possibilita, desde que tenha empatia, que a criança descubra todos
os recursos que tem – talvez nunca usados até então – para encarar e lidar com
a realidade da forma menos traumática possível. O educador acompanha a criança nesse processo, de modo
que ela não se sinta solta no mundo, a partir do momento em que caminha para
além do núcleo familiar. Quanto mais
genuíno é o vínculo e mais forte a empatia entre o educador e a criança, maior
a possibilidades de que ela possa se identificar com um outro fora de seu
primeiro círculo de relações, o familiar. A essa criança, o professor
proporciona apreender a reciprocidade e as relações interpessoais por meio de
outro olhar. Portanto, o papel da escola
é fundamental para estruturar novas percepções que participam da constituição
da subjetividade dessa criança. O professor cuja concepção de educação é
pautada e regida pela formação de seres humanos diferencia-se pela relação
estabelecida com e entre os seus
educandos, pela construção de vínculos fundada na empatia. A criação do vínculo entre educador e
educando ocorre com a presença afetiva do professor em sala de aula como uma
pessoa viva, inteira, verdadeira, genuína. A vivência do “agora” é a presença
efetiva do educador na vida real da criança e cria um ambiente onde podem
aparecer sentimentos, emoções, histórias de vida, confiança para ser aquilo que
se é – si mesmo. Isso propicia o fortalecimento dos laços afetivos e a
construção do processo de autoconhecimento dos alunos.
Ana Olmos nos afirma
que assim o aprendizado se dá pelo
encontro e, a partir dele, surge a abertura para conhecer o outro e estabelecer
relações autênticas. Tal encontro é marcado por vínculos no processo educativo,
constituído pelo ser humano e não apenas por conteúdos curriculares. Se todo
encontro humano é, de qualquer maneira, mútuo, recíproco, o professor ensina
algo para além daquilo que ensina. O ensinamento do educador está não só no que
ele diz, mas no que ele não diz.
Segundo Ana Olmos Se o educador constrói vínculos com e
entre os alunos – formando um grupo vincular – com base em conversas regulares
sobre o que acontece na sala de aula, oferece uma prática constante de
enfrentar e resolver os conflitos sem negá-los, e abre caminhos na interlocução
com o outro. É vital que o educador
traga para as crianças, desde cedo, a consciência dessas inter-relações e o
permanente potencial de transformação na vida. O educador pode constituir um
grupo vincular com a proposta da constante construção de laços comunitários,
encontros, novas percepções. Dessa forma, o grupo se estrutura na escuta uns
dos outros, na troca da diversidade, na incorporação dos diferentes e na
construção do respeito ao modo de ser de cada um. Se “o ser humano é inacabado,
em constante processo de humanização” (Paulo Freire), esse inacabamento
propicia momentos de estabilidade e instabilidade, comunhão e conflito, em
busca de sentidos. A construção dessa
vivência comunitária promove uma atitude empática não só entre educador e
educando, mas entre os próprios alunos. É importante enfatizar a relação, o
vínculo, no decorrer do processo educativo. Assim, a primazia dos conteúdos e
dos aspectos cognitivos deixa de ser o centro da educação, que passa a resgatar
o ser humano e todas as inter-relações entre educador e educando.
O sentido do vínculo no processo educativo Da mesma forma
que os conhecimentos prévios do aluno são condição para ele estabelecer uma
relação com os novos conhecimentos e para a aprendizagem ganhar sentido e
tornar-se uma aprendizagem significativa, a experiência prévia vivida de
sentir-se compreendido participa da construção de novos vínculos significativos.
O educador com o olhar afetivo, olhos nos olhos de cada aluno, a escuta atenta
e o trato singular com cada educando, possibilita o vínculo, a ampliação da
percepção e o autoconhecimento de cada criança. O próprio educador, ao
vivenciar essa experiência, pode desvelar aspectos desconhecidos de sua
subjetividade. Estar em relação com os alunos engendra a necessidade de o
próprio educador se conhecer e se dar conta de sua capacidade de
autotransformação e empatia. Ver-se e conhecer-se é o início do caminho do
conhecimento profundo do outro ser humano que o professor acompanha. Somente ao
descobrir-se e aceitar-se, o educador pode ver, ouvir e estar com o outro.
Estar em diálogo exige a atitude de receptividade ao outro e a seu pensamento,
não para transformá-lo em igual, mas sim, para poder conhecê-lo em sua
plenitude. O professor é o maestro que
conduz o processo, mas é necessário adquirir a sabedoria da espera, o saber ver
no aluno aquilo que nem o próprio aluno havia visto nele mesmo ou em suas
produções. E trazer a alegria, o afeto, o aconchego, o lúdico, o cuidado, a
troca, próprios de uma relação empática, que precisam estar presentes na
escola. Piaget nos dizia que o afeto é o motor da inteligência. Afeto é
encontro, é vínculo, é empatia. O educador com empatia faz toda a diferença na
vida da criança.
Conflitos - E é exatamente nos conflitos mais banais de
uma escola que se pode perceber a dificuldade de alcançar um entendimento
empático. É claramente mais fácil se pôr no lugar de outro que não está
ameaçando ou incomodando diretamente o meu lugar. E qualquer um que trabalha em
educação sabe que na grande maioria dos conflitos há uma responsabilidade
dividida, em que ambos os lados têm razões e erros. Se a escola opta por um
modelo de solução de conflito tradicional, no qual a autoridade julga e impõe
penalidades, os envolvidos no conflito muitas vezes sequer pensam sobre o
ocorrido. A “vítima” se sente vingada e, com frequência, o “culpado” se sente
injustiçado. Ninguém aprende com o conflito de forma que ele possa mudar a sua
atitude. Por outro lado, se a escola opta pelo modelo de mediação de conflitos,
todos os envolvidos são convidados a narrar o acontecimento, a pensar como o
outro se sentiu, a elaborar uma hipótese sobre como poderia ter sido diferente.
Não que o modelo funcione perfeitamente, pois muitas vezes os envolvidos
respondem o que se espera ouvir, seguindo o roteiro da cena clássica do arrependimento. Mas há formas de romper com essa
superfície, colocando questões que realmente ponham os diversos lados em
contato com o outro. Um bom exemplo disso é perguntar, em uma briga, qual foi o
momento em que o outro se descontrolou, qual foi o detonador. Isso certamente
trará uma reflexão mais aprofundada sobre o que de fato aconteceu. É claro que mesmo com
uma abordagem que favoreça a empatia, há diferenças significativas entre os
indivíduos. Para alguns, colocar-se no lugar do outro é um tarefa praticamente
impossível. Para outras pessoas, a compreensão do outro acontece de forma
racional, mas a reação não atinge o emocional e não há remorso. No entanto, de
forma geral, temos visto uma progressão ao longo do tempo, mesmo naqueles
estudantes com menor capacidade de análise ou controle, o que nos faz persistir
nesse modelo tão trabalhoso e lento, mas educativo.
Se compreendermos a educação como um processo centrado na
escolarização e estruturado com base no ensino de habilidades básicas a serem
avaliadas e certificadas, é necessário pouco mais do que processos de
ensino-aprendizagem instrucionais baseados em memorização, treino e repetição.
Nesse modelo educativo tão difundido em todo o mundo, a fragmentação e a
homogeneização dos tempos, relações, conteúdos e espaços de aprendizagem tende
a se afirmar. A centralidade dos sujeitos da aprendizagem e de suas relações e
experiências perde espaço para a centralidade do currículo, da escola e da
avaliação. Ao não se dirigirem a sujeitos concretos, donos de uma história,
pertencentes a um lugar, esses mecanismos procuram se justificar per se,
esvaziando o potencial transformador que a educação pode manifestar. Se, ao
contrário, compreendermos a educação como um processo-chave para o
desenvolvimento de sujeitos autônomos, responsáveis consigo mesmos e com os
outros e comprometidos com a construção de uma sociedade democrática, há que
lançar um olhar muito mais cuidadoso e intencional às relações que se
estabelecem entre as pessoas, entre as pessoas e as instituições educativas,
entre as instituições educativas e o local, entre o local e o global. É nessa
imensa tessitura de relações que uma educação comprometida com a transformação
do mundo se ancora. Nessa concepção
mais abrangente e sistêmica de educação, dois pressupostos são fundamentais. O
primeiro diz respeito à compreensão de que o processo educativo não se
restringe à escola: aprendemos em diferentes lugares, com diferentes pessoas,
de diferentes formas, ao longo de toda a vida. Assim, quanto mais ricas e
diversificadas forem nossas interações e quanto mais qualificada for a reflexão
acerca dessas interações, maior a capacidade das pessoas de compreender, de se
relacionar e intervir no mundo.
Natasha Costa afirma que Assim, a educação pode e deve estar
comprometida com o hoje, com promover experiências significativas para as
pessoas em seu cotidiano. Esse compromisso se revela, por exemplo, na atenção
sincera em relação às perguntas que as crianças formulam desde pequenas, e no
compromisso em transformar os processos de aprendizagem em caminhos de
construção de soluções concretas que melhorem a vida das pessoas nas escolas,
nas comunidades e na cidade. No entanto,
mais do que desconstruir essa noção de preparação, é importante que se
compreenda que os valores que fundamentam uma educação para a autonomia não
podem ser ditados teoricamente, ensinados em “aulas de ética” ou afins. Para
que se convertam em uma atitude ética perante o mundo, esses valores precisam
ser vivenciados de forma consciente e crítica. Nesse sentido, é fundamental que
repensemos não apenas como as nossas escolas têm se organizado, mas também como
a cidade tem sido ocupada e considerada (ou não) como espaço educativo em potencial. A cidade como espaço público, comum a todxs,
desempenha um papel fundamental na promoção da experiência com o diferente, tão
fundamental para o desenvolvimento da empatia. O respeito ao outro, diferente
de mim, só poderá nascer da experiência com o outro. Nenhuma teorização é capaz
de substituir a convivência. Assim, a
empatia depende de uma ambiência que promova múltiplas interações,
possibilidades de diálogo, de reflexão, de construção coletiva entre pessoas diferentes.
Para isso precisamos baixar os muros das escolas, articular os itinerários de
nossas crianças e jovens aos bens culturais das cidades, descentralizar os
recursos, estimular a livre manifestação de ideias e formas de expressão e
promover o encontro e a convivência de todxs no espaço público. Em síntese, nenhum discurso desacompanhado de
atitudes e medidas concretas poderá promover a consciência que desejamos. Há
que se construir cotidianamente uma experiência de cidade e de educação que
permita às pessoas construírem uma experiência viva na qual a empatia, a
diversidade, a solidariedade humana e a corresponsabilidade sejam valorizadas
como os nossos maiores bens.
Identidade é Ter consciência de minha humanidade consiste em
dar-me conta de que, apesar de todas as diferenças muito reais entre os
indivíduos, também estou de certo modo dentro de cada um de meus semelhantes. Acolher Às vezes chamamos essa Inteligência de “Inteligência
do Espelho”. Isso porque o espelho não escolhe o que vai refletir, não julga.
Mesmo quando acordamos com cara feia, o espelho não grita “Saia daqui! Se
arrume e fique bem bonito para que eu te reflita!”. O espelho nos acolhe,
independentemente de como estamos. Assim devemos nos relacionar com todos,
acolhê-los e perceber que aquela pessoa à nossa frente tem referenciais, uma
história de vida, uma visão de mundo que é própria, e que suas ações e
pensamentos fazem sentido nessa visão de mundo particular. Quando entendemos o
outro a partir do referencial dele, isso significa que vemos o mundo do mesmo
modo que ele vê, e por isso conseguimos falar de dentro do mundo dele e ser
entendidos. Se usarmos nossa experiência de mundo e quisermos impô-la sobre a
experiência de mundo do outro, não há linguagem, não há como acolhê-lo. Isso,
na verdade, é rejeitá-lo, é não ouvi-lo. Oferecer - Essa Inteligência também é chamada de “Inteligência
da Igualdade”, e é por meio dela que nos alegramos com as alegrias e conquistas
do outro. Antes de pensarmos que se trata de uma habilidade praticamente
impossível de adquirir, devemos nos lembrar da alegria que o professor sente
quando, por exemplo, o estudante aprende a ler. Ora, o professor já sabe ler,
então por que ele se alegra com a conquista do estudante? Porque a conquista do
estudante é também a conquista do professor. Da mesma forma, a alegria dos pais
com os primeiros passos de seus filhos representa a Inteligência da
Igualdade. A alegria, a felicidade, as
conquistas dos outros são razões para que eu me sinta feliz. Essa Inteligência
é manifestada pelo brilho no olho, por aquela sensação que o professor tem
quando, por exemplo, a sala de aula está concentrada em uma atividade e ele
olha para os estudantes invadido por um sentimento meio indefinido. A
Inteligência de - Oferecer - nos move no sentido de ajudar o outro a atingir seus objetivos.
Se tivermos um olhar muito centrado apenas em nossos objetivos e necessidades,
teremos poucas chances de ser felizes. Estruturar - Essa
Inteligência também é chamada de Inteligência Discriminativa. É uma
consequência direta das duas anteriores: se eu compreendo o outro no mundo
dele, se tenho um interesse real pelo outro, se as conquistas do outro me
trazem alegria, eu terei uma vontade genuína de ajudar o outro, de criar
condições para que o outro atinja seus objetivos. No âmbito escolar, é quando o professor
percebe as dificuldades do estudante e busca alternativas de atuação para que
ele possa atingir seus objetivos. Vamos encontrando novos caminhos e
estimulando outros olhares. O próprio
estudante, com o tempo, vai observar que não há um caminho único, mas sim um
caminho mais adequado a ele, e que pode ser diferente do tomado pelo colega.
Deixam-se de lado as receitas prontas e desenvolve-se um verdadeiro interesse
pelo sucesso do outro. Casualidade - Essa Inteligência surge a partir de um questionamento
clássico da Sabedoria Discriminativa: “E se o que o outro quer fazer for uma
ação errada?”. Como eu ajo quando o outro não tem clareza de que o que está
fazendo vai gerar algum tipo de sofrimento naqueles quatro níveis (consigo
mesmo, com o outro, com a sociedade ou com o planeta)? Na sabedoria popular, a Causalidade é
expressa com uma frase: “Se plantou bananas, colherá bananas!”. Parece lógico,
mas é uma dimensão muito profunda. A Inteligência da Causalidade traz consigo
uma abordagem ética das relações. Sem a dimensão ética, a empatia pode ser uma
ferramenta de visão utilitarista dos outros: ao compreender o outro, eu saberia
exatamente o que fazer ou dizer para levá-lo a agir do jeito que eu quero.
Trata-se de uma visão estreita, em que estou me beneficiando graças ao prejuízo
do outro. A Inteligência da Causalidade se manifesta em dois níveis: primeiro,
eu vou tentar evitar que o outro proceda de modo incorreto; segundo, caso a
ação já tenha sido cometida, vou tentar evitar que aquele que agiu de forma
incorreta tenha um ganho ou sucesso com essa ação.
Fernando Leão afirma que liberar Trata-se da capacidade de ver o outro como pleno de
possibilidades. Lembre-se de quando você era criança. Quando um adulto
perguntava “O que você quer ser quando crescer?”, sua resposta variava muito de
um dia para outro, isso quando não era múltipla, do tipo: “Quero ser
astronauta, jogador de futebol e veterinário”. Na verdade, naquele momento você
poderia mesmo ser qualquer uma dessas coisas, e até mesmo outras. Ao longo do
tempo, por várias causas e condições, suas opções foram se restringindo a tal
ponto que foi preciso escolher uma delas ou até mesmo outra que nunca havia
dito quando criança. A Inteligência de Liberar liberta o outro dos rótulos,
entende que o outro é um ser livre, repleto de possibilidades, e que aquilo que
ele apresenta para nós é uma delas, à qual ele chegou por vários motivos.
Voltamos, assim, para a Sabedoria do Acolher, e compreendemos o outro no mundo
dele. Desse modo, a Inteligência da Liberar liberta o outro dos rótulos, mas
também nos liberta de nossas ideias preconcebidas em relação ao outro e a nós
mesmos.
Portanto cabe em nós a reflexão e ação onde as Cinco Inteligências são inteligências relacionais,
empáticas, e nos ajudam a aprofundar o olhar. Acreditamos que as relações – sejam
elas quais forem – se estabelecem a partir da empatia, mas que é preciso
ampliar a visão para além da convivência ou mera tolerância.