Alteridade constrói Identidade

Alteridade  Constrói  Identidade




A alteridade deve ser entendida a partir de uma divisão entre um “eu” e um “outro”, ou entre um “nós” e um “eles”. O “outro” tem costumes, tradições e representações diferentes às do “eu”: por isso, faz parte de “eles” e não de “nós”. A alteridade implica colocar-se no lugar ou na pele desse “outro”, alternando a perspectiva própria com a alheia.


Mesmo sem percebermos ou ainda sem dizer uma única palavra, ao nos confrontarmos com o estranho, o não familiar, de alguma forma, nossas condutas, ações e pensamentos moldam-se a partir dessa interação. Essa interação entre o “eu”, interior e particular a cada um, e o “outro”, o além de mim, é o que denominamos de alteridade. Esse conceito parte do pressuposto de que todo indivíduo social é interdependente dos demais sujeitos de seu contexto social, isto é, o mundo individual só existe diante do contraste com o mundo do outro.
O antropólogo brasileiro Gilberto Velho elucida: “A noção de outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida que esta efetiva-se através das dinâmicas socais. Assim sendo a diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito.”* Simplificando, Gilberto Velho mostra de que forma a interação entre a parte íntima e interior do indivíduo e o outro forma o cerne da vida social. Ao interagirem, os indivíduos reafirmam o que faz parte de si mesmo e o que faz parte do mundo externo.
Esse processo de diferenciação é parte também da construção da identidade do sujeito, que se molda a partir da distinção entre “o que eu sou” e “o que eu não sou”. Esse ponto leva-nos ao problema fundamental da questão: a impossibilidade da existência do eu-individual sem o conflito com o diferente, o estranho, o outro.
Para a Psicologia, trata-se do processo de formação psíquica do ser humano. Lev Semenovitch Vygotsky é um dos autores da psicologia que se dedicaram ao estudo do complexo processo de formação e do desenvolvimento humano. A atividade humana no meio social é o principal impulso que movimenta todo o processo de formação da psiquê humana. Nesse sentido, o teórico aproximava-se e concordava em vários aspectos com a teoria marxista acerca do mundo social e das implicações da ação humana em seu meio. Vygotsky afirmava isso baseado na ideia de que é pela interação social que o sujeito constrói-se como indivíduo diante do confronto com o mundo externo. Em suma, ao distinguirmos aquilo que não somos, também determinamos aquilo que somos.
Para a Antropologia, a alteridade volta-se para a observação do contato cultural entre grupos étnicos diferentes e dos conflitos consequentes que se desenvolveram sob diferentes perspectivas. A descoberta do “Novo Mundo”, isto é, o início da colonização europeia nas Américas, parece ser o ponto de partida para os questionamentos que envolvem a ideia de alteridade. O encontro com o “outro” é marcado pelo medo e pelo fascínio, pela distinção clara entre o que é estranho e o que não é. O contraste cultural, de certa forma, acaba fortalecendo a noção de que “aquilo que sou é diferente daquilo que não sou”, o que, em outras palavras, significa dizer que o mundo estranho é um enorme espelho que reflete o que é familiar ao destacar tudo aquilo que nos é estranho.
A diferença entre alteridade e empatia consiste em saber entender e ajudar o outro , já na empatia  Empatia consiste na capacidade psicológica para sentir o que sentiria outra pessoa caso estivesse vivendo a mesma situação que ela, levando as pessoas a ajudarem umas às outras. Está ligada ao altruísmo, que é o amor e interesse ao próximo e à capacidade de ajudar. Consiste em entender melhor o comportamento e as circunstâncias como o outro age. Saber ouvir os outros, compreende seus problemas e emoções, ter afinidades e se identificar com outra pessoa é ser empático, é saber respeitar as diferenças da sociedade.  É  o ato de escutar as pessoas e captar suas emoções, para assim chegar a uma relação compreensiva sem ter necessariamente que concordar com os outros. Afastando-se de suas próprias razões, pretensões, interesses ideias e pensamentos para saber pensar a partir da ótica do outro, da necessidade do outro, da razão do outro, sem julgamento, apresentando alto grau de compreensão, de conhecimento, de consideração ao momento em questão.
Quando se tolera apenas se concedo, mas é ir aliem, é aceitar a diferença, estar aberto.
“ Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Sobre a intolerância já fizemos muitas reflexões. A intolerância é péssima, mas a tolerância não é tão boa quanto parece. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância”.   José Saramago
Alteridade significa se colocar no lugar do outro na relação interpessoal, dialogando, valorizando e identificando o outro. A prática da alteridade está  relacionada entre indivíduos e entre grupos culturais, religiosos, étnicos, etc. É possível exercer cidadania e estabelecer uma relação pacífica e construtiva com os diferentes, na medida em que se identifica, entenda e aprenda com o contrário. Por esse modo, alteridade é quando você se relaciona com outras pessoas ou grupos, onde é preciso conhecer a diferença, compreender e aprender com a diferença, respeitando o indivíduo como ser psicossocial. Em outras palavras, é transformar o que é exótico em familiar.





Alteridade  ou  Empatia 


Uma Educação pautada por essa visão não basta, pois não dá conta, por si só, de recuperar a esperança de muitos jovens de que seus anseios e ideias serão acolhidos e de que poderão se expressar no mundo. Para isso é preciso também construir um ecossistema que conduza a mudanças sociais e institucionais alinhadas a essa visão. Queremos ajudar a construir juntos a demanda social por uma educação e uma sociedade pautadas pela visão comum de que todas as crianças e jovens devem ter a oportunidade de praticar a empatia e realizar sua potência de sentir e agir. Esse é o nosso inédito (cada vez mais) viável.  Com isso não estamos defendendo uma educação a serviço de qualquer finalidade prática, como se fosse papel dos educadores preparar as crianças para uma ideia predefinida de cidadania. Ao contrário, inspirados por Hannah Arendt, acreditamos que “a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele”.
 As formas com que essa responsabilidade se manifesta fazem parte de um universo ilimitado de possibilidades. Tampouco significa que essa responsabilidade tenha que comprometer a alegria.  Para Espinosa, a alegria é justamente o fruto do aumento da potência de agir e, portanto, também de pensar e imaginar.
A alegria é a “produção-descoberta de um novo grau de liberdade” e tem, por isso, uma potência epidêmica. Ela é transmitida não de quem sabe para quem não sabe, mas de um modo em si mesmo “produtor de igualdade, alegria de pensar e de imaginar juntos, com os outros, graças aos outros”.
A empatia , o conectar-se com aquilo que lhe é externo, mas lhe toca profundamente ,  é uma habilidade-chave da vida em sociedade e ainda mais relevante para participar de um mundo globalizado e em constante mudança como o de hoje.


Lançado no Brasil em setembro de 2015, o programa Escolas Transformadoras caminha confiante em sua missão: mudar a conversa sobre educação e sobre o papel de crianças e jovens na transformação da sociedade. Para cumprir esse desafio, conta com uma comunidade diversa, formada por equipes de escolas, empreendedores sociais , acadêmicos, jornalistas e especialistas de diversas áreas do saber. Por meio de suas iniciativas, o programa procura mostrar que a educação está se abrindo a um novo diálogo, atravessado por valores e estruturas que colocam os sujeitos no centro do processo educativo, compreendendo-os como agentes de transformação de suas próprias vidas, de seus territórios e do mundo.


 O Conceito de Empatia, porém, não deve ser cultivado apenas no ambiente escolar, mas também na rua, no trânsito, na fila do banco, no mercado ou dentro de casa. É isso que diz a artista plástica Stela Barbieri em seu artigo “Empatia ainda em tempo”. Mas a vida parece estar corrida, provoca Barbieri; o tempo é escasso e, sem tempo, jamais conseguiremos ter empatia, pois precisamos dele para criar laços e conexões com nós mesmos e com os outros.
De acordo a Jacob Levy Moreno  Para que o ser humano se constitua como sujeito e como ser social, é necessária a presença e o vínculo com outro ser humano. É possível afirmar que o sujeito se constitui no vínculo, pelo vínculo e para o vínculo. Quer dizer, o lugar onde a criança se constitui é o vínculo, com o outro vinculado e para continuar se vinculando.
Partindo do pressuposto que são as escolas  e os educadores que oferecem à criança sua primeira grande oportunidade de vivenciar o mundo fora da família, e que portanto lhes cabe a importante missão de  reforçar essas  percepções emocionais com as quais as crianças vivenciem . Aprendeu, até então, a relacionar-se com o mundo, mas também pode introduzir novas percepções, que ampliem o universo dessa criança. Essa ampliação do universo traz a percepção de que a família não é “dona da verdade”.  O educador tem a missão de pôr a criança em contato com a realidade que transcende o universo familiar, com a possibilidade de lhe proporcionar a vivência das diferenças. A partir de seu vínculo com a criança, prepara-a para lidar com a diversidade e os conflitos que dela advêm. Assim, o professor é aquele que possibilita, desde que tenha empatia, que a criança descubra todos os recursos que tem – talvez nunca usados até então – para encarar e lidar com a realidade da forma menos traumática possível. O educador  acompanha a criança nesse processo, de modo que ela não se sinta solta no mundo, a partir do momento em que caminha para além do núcleo familiar.  Quanto mais genuíno é o vínculo e mais forte a empatia entre o educador e a criança, maior a possibilidades de que ela possa se identificar com um outro fora de seu primeiro círculo de relações, o familiar. A essa criança, o professor proporciona apreender a reciprocidade e as relações interpessoais por meio de outro olhar.  Portanto, o papel da escola é fundamental para estruturar novas percepções que participam da constituição da subjetividade dessa criança. O professor cuja concepção de educação é pautada e regida pela formação de seres humanos diferencia-se pela relação estabelecida com e  entre os seus educandos, pela construção de vínculos fundada na empatia.  A criação do vínculo entre educador e educando ocorre com a presença afetiva do professor em sala de aula como uma pessoa viva, inteira, verdadeira, genuína. A vivência do “agora” é a presença efetiva do educador na vida real da criança e cria um ambiente onde podem aparecer sentimentos, emoções, histórias de vida, confiança para ser aquilo que se é – si mesmo. Isso propicia o fortalecimento dos laços afetivos e a construção do processo de autoconhecimento dos alunos.
 Ana Olmos nos afirma que assim  o aprendizado se dá pelo encontro e, a partir dele, surge a abertura para conhecer o outro e estabelecer relações autênticas. Tal encontro é marcado por vínculos no processo educativo, constituído pelo ser humano e não apenas por conteúdos curriculares. Se todo encontro humano é, de qualquer maneira, mútuo, recíproco, o professor ensina algo para além daquilo que ensina. O ensinamento do educador está não só no que ele diz, mas no que ele não diz.
Segundo Ana Olmos Se o educador constrói vínculos com e entre os alunos – formando um grupo vincular – com base em conversas regulares sobre o que acontece na sala de aula, oferece uma prática constante de enfrentar e resolver os conflitos sem negá-los, e abre caminhos na interlocução com o outro.  É vital que o educador traga para as crianças, desde cedo, a consciência dessas inter-relações e o permanente potencial de transformação na vida. O educador pode constituir um grupo vincular com a proposta da constante construção de laços comunitários, encontros, novas percepções. Dessa forma, o grupo se estrutura na escuta uns dos outros, na troca da diversidade, na incorporação dos diferentes e na construção do respeito ao modo de ser de cada um. Se “o ser humano é inacabado, em constante processo de humanização” (Paulo Freire), esse inacabamento propicia momentos de estabilidade e instabilidade, comunhão e conflito, em busca de sentidos.  A construção dessa vivência comunitária promove uma atitude empática não só entre educador e educando, mas entre os próprios alunos. É importante enfatizar a relação, o vínculo, no decorrer do processo educativo. Assim, a primazia dos conteúdos e dos aspectos cognitivos deixa de ser o centro da educação, que passa a resgatar o ser humano e todas as inter-relações entre educador e educando.

O sentido do vínculo no processo educativo Da mesma forma que os conhecimentos prévios do aluno são condição para ele estabelecer uma relação com os novos conhecimentos e para a aprendizagem ganhar sentido e tornar-se uma aprendizagem significativa, a experiência prévia vivida de sentir-se compreendido participa da construção de novos vínculos significativos. O educador com o olhar afetivo, olhos nos olhos de cada aluno, a escuta atenta e o trato singular com cada educando, possibilita o vínculo, a ampliação da percepção e o autoconhecimento de cada criança. O próprio educador, ao vivenciar essa experiência, pode desvelar aspectos desconhecidos de sua subjetividade. Estar em relação com os alunos engendra a necessidade de o próprio educador se conhecer e se dar conta de sua capacidade de autotransformação e empatia. Ver-se e conhecer-se é o início do caminho do conhecimento profundo do outro ser humano que o professor acompanha. Somente ao descobrir-se e aceitar-se, o educador pode ver, ouvir e estar com o outro. Estar em diálogo exige a atitude de receptividade ao outro e a seu pensamento, não para transformá-lo em igual, mas sim, para poder conhecê-lo em sua plenitude.  O professor é o maestro que conduz o processo, mas é necessário adquirir a sabedoria da espera, o saber ver no aluno aquilo que nem o próprio aluno havia visto nele mesmo ou em suas produções. E trazer a alegria, o afeto, o aconchego, o lúdico, o cuidado, a troca, próprios de uma relação empática, que precisam estar presentes na escola. Piaget nos dizia que o afeto é o motor da inteligência. Afeto é encontro, é vínculo, é empatia. O educador com empatia faz toda a diferença na vida da criança.
Conflitos   -  E é exatamente nos conflitos mais banais de uma escola que se pode perceber a dificuldade de alcançar um entendimento empático. É claramente mais fácil se pôr no lugar de outro que não está ameaçando ou incomodando diretamente o meu lugar. E qualquer um que trabalha em educação sabe que na grande maioria dos conflitos há uma responsabilidade dividida, em que ambos os lados têm razões e erros. Se a escola opta por um modelo de solução de conflito tradicional, no qual a autoridade julga e impõe penalidades, os envolvidos no conflito muitas vezes sequer pensam sobre o ocorrido. A “vítima” se sente vingada e, com frequência, o “culpado” se sente injustiçado. Ninguém aprende com o conflito de forma que ele possa mudar a sua atitude. Por outro lado, se a escola opta pelo modelo de mediação de conflitos, todos os envolvidos são convidados a narrar o acontecimento, a pensar como o outro se sentiu, a elaborar uma hipótese sobre como poderia ter sido diferente. Não que o modelo funcione perfeitamente, pois muitas vezes os envolvidos respondem o que se espera ouvir, seguindo o roteiro da cena clássica do arrependimento. Mas há formas de romper com essa superfície, colocando questões que realmente ponham os diversos lados em contato com o outro. Um bom exemplo disso é perguntar, em uma briga, qual foi o momento em que o outro se descontrolou, qual foi o detonador. Isso certamente trará uma reflexão mais aprofundada sobre o que de fato aconteceu.  É claro que mesmo com uma abordagem que favoreça a empatia, há diferenças significativas entre os indivíduos. Para alguns, colocar-se no lugar do outro é um tarefa praticamente impossível. Para outras pessoas, a compreensão do outro acontece de forma racional, mas a reação não atinge o emocional e não há remorso. No entanto, de forma geral, temos visto uma progressão ao longo do tempo, mesmo naqueles estudantes com menor capacidade de análise ou controle, o que nos faz persistir nesse modelo tão trabalhoso e lento, mas educativo.


Se compreendermos a educação como um processo centrado na escolarização e estruturado com base no ensino de habilidades básicas a serem avaliadas e certificadas, é necessário pouco mais do que processos de ensino-aprendizagem instrucionais baseados em memorização, treino e repetição. Nesse modelo educativo tão difundido em todo o mundo, a fragmentação e a homogeneização dos tempos, relações, conteúdos e espaços de aprendizagem tende a se afirmar. A centralidade dos sujeitos da aprendizagem e de suas relações e experiências perde espaço para a centralidade do currículo, da escola e da avaliação. Ao não se dirigirem a sujeitos concretos, donos de uma história, pertencentes a um lugar, esses mecanismos procuram se justificar per se, esvaziando o potencial transformador que a educação pode manifestar. Se, ao contrário, compreendermos a educação como um processo-chave para o desenvolvimento de sujeitos autônomos, responsáveis consigo mesmos e com os outros e comprometidos com a construção de uma sociedade democrática, há que lançar um olhar muito mais cuidadoso e intencional às relações que se estabelecem entre as pessoas, entre as pessoas e as instituições educativas, entre as instituições educativas e o local, entre o local e o global. É nessa imensa tessitura de relações que uma educação comprometida com a transformação do mundo se ancora.    Nessa concepção mais abrangente e sistêmica de educação, dois pressupostos são fundamentais. O primeiro diz respeito à compreensão de que o processo educativo não se restringe à escola: aprendemos em diferentes lugares, com diferentes pessoas, de diferentes formas, ao longo de toda a vida. Assim, quanto mais ricas e diversificadas forem nossas interações e quanto mais qualificada for a reflexão acerca dessas interações, maior a capacidade das pessoas de compreender, de se relacionar e intervir no mundo.

Natasha Costa afirma que Assim, a educação pode e deve estar comprometida com o hoje, com promover experiências significativas para as pessoas em seu cotidiano. Esse compromisso se revela, por exemplo, na atenção sincera em relação às perguntas que as crianças formulam desde pequenas, e no compromisso em transformar os processos de aprendizagem em caminhos de construção de soluções concretas que melhorem a vida das pessoas nas escolas, nas comunidades e na cidade.  No entanto, mais do que desconstruir essa noção de preparação, é importante que se compreenda que os valores que fundamentam uma educação para a autonomia não podem ser ditados teoricamente, ensinados em “aulas de ética” ou afins. Para que se convertam em uma atitude ética perante o mundo, esses valores precisam ser vivenciados de forma consciente e crítica. Nesse sentido, é fundamental que repensemos não apenas como as nossas escolas têm se organizado, mas também como a cidade tem sido ocupada e considerada (ou não) como espaço educativo em potencial.  A cidade como espaço público, comum a todxs, desempenha um papel fundamental na promoção da experiência com o diferente, tão fundamental para o desenvolvimento da empatia. O respeito ao outro, diferente de mim, só poderá nascer da experiência com o outro. Nenhuma teorização é capaz de substituir a convivência.  Assim, a empatia depende de uma ambiência que promova múltiplas interações, possibilidades de diálogo, de reflexão, de construção coletiva entre pessoas diferentes. Para isso precisamos baixar os muros das escolas, articular os itinerários de nossas crianças e jovens aos bens culturais das cidades, descentralizar os recursos, estimular a livre manifestação de ideias e formas de expressão e promover o encontro e a convivência de todxs no espaço público.  Em síntese, nenhum discurso desacompanhado de atitudes e medidas concretas poderá promover a consciência que desejamos. Há que se construir cotidianamente uma experiência de cidade e de educação que permita às pessoas construírem uma experiência viva na qual a empatia, a diversidade, a solidariedade humana e a corresponsabilidade sejam valorizadas como os nossos maiores bens. 




Identidade é Ter consciência de minha humanidade consiste em dar-me conta de que, apesar de todas as diferenças muito reais entre os indivíduos, também estou de certo modo dentro de cada um de meus semelhantes. Acolher Às vezes chamamos essa Inteligência de “Inteligência do Espelho”. Isso porque o espelho não escolhe o que vai refletir, não julga. Mesmo quando acordamos com cara feia, o espelho não grita “Saia daqui! Se arrume e fique bem bonito para que eu te reflita!”. O espelho nos acolhe, independentemente de como estamos. Assim devemos nos relacionar com todos, acolhê-los e perceber que aquela pessoa à nossa frente tem referenciais, uma história de vida, uma visão de mundo que é própria, e que suas ações e pensamentos fazem sentido nessa visão de mundo particular. Quando entendemos o outro a partir do referencial dele, isso significa que vemos o mundo do mesmo modo que ele vê, e por isso conseguimos falar de dentro do mundo dele e ser entendidos. Se usarmos nossa experiência de mundo e quisermos impô-la sobre a experiência de mundo do outro, não há linguagem, não há como acolhê-lo. Isso, na verdade, é rejeitá-lo, é não ouvi-lo. Oferecer  - Essa Inteligência também é chamada de “Inteligência da Igualdade”, e é por meio dela que nos alegramos com as alegrias e conquistas do outro. Antes de pensarmos que se trata de uma habilidade praticamente impossível de adquirir, devemos nos lembrar da alegria que o professor sente quando, por exemplo, o estudante aprende a ler. Ora, o professor já sabe ler, então por que ele se alegra com a conquista do estudante? Porque a conquista do estudante é também a conquista do professor. Da mesma forma, a alegria dos pais com os primeiros passos de seus filhos representa a Inteligência da Igualdade.  A alegria, a felicidade, as conquistas dos outros são razões para que eu me sinta feliz. Essa Inteligência é manifestada pelo brilho no olho, por aquela sensação que o professor tem quando, por exemplo, a sala de aula está concentrada em uma atividade e ele olha para os estudantes invadido por um sentimento meio indefinido. A Inteligência de - Oferecer - nos move no sentido de ajudar o outro a atingir seus objetivos. Se tivermos um olhar muito centrado apenas em nossos objetivos e necessidades, teremos poucas chances de ser felizes. Estruturar - Essa Inteligência também é chamada de Inteligência Discriminativa. É uma consequência direta das duas anteriores: se eu compreendo o outro no mundo dele, se tenho um interesse real pelo outro, se as conquistas do outro me trazem alegria, eu terei uma vontade genuína de ajudar o outro, de criar condições para que o outro atinja seus objetivos.  No âmbito escolar, é quando o professor percebe as dificuldades do estudante e busca alternativas de atuação para que ele possa atingir seus objetivos. Vamos encontrando novos caminhos e estimulando outros olhares.  O próprio estudante, com o tempo, vai observar que não há um caminho único, mas sim um caminho mais adequado a ele, e que pode ser diferente do tomado pelo colega. Deixam-se de lado as receitas prontas e desenvolve-se um verdadeiro interesse pelo sucesso do outro. Casualidade -  Essa Inteligência surge a partir de um questionamento clássico da Sabedoria Discriminativa: “E se o que o outro quer fazer for uma ação errada?”. Como eu ajo quando o outro não tem clareza de que o que está fazendo vai gerar algum tipo de sofrimento naqueles quatro níveis (consigo mesmo, com o outro, com a sociedade ou com o planeta)?  Na sabedoria popular, a Causalidade é expressa com uma frase: “Se plantou bananas, colherá bananas!”. Parece lógico, mas é uma dimensão muito profunda. A Inteligência da Causalidade traz consigo uma abordagem ética das relações. Sem a dimensão ética, a empatia pode ser uma ferramenta de visão utilitarista dos outros: ao compreender o outro, eu saberia exatamente o que fazer ou dizer para levá-lo a agir do jeito que eu quero. Trata-se de uma visão estreita, em que estou me beneficiando graças ao prejuízo do outro. A Inteligência da Causalidade se manifesta em dois níveis: primeiro, eu vou tentar evitar que o outro proceda de modo incorreto; segundo, caso a ação já tenha sido cometida, vou tentar evitar que aquele que agiu de forma incorreta tenha um ganho ou sucesso com essa ação.

Fernando Leão afirma que liberar Trata-se da capacidade de ver o outro como pleno de possibilidades. Lembre-se de quando você era criança. Quando um adulto perguntava “O que você quer ser quando crescer?”, sua resposta variava muito de um dia para outro, isso quando não era múltipla, do tipo: “Quero ser astronauta, jogador de futebol e veterinário”. Na verdade, naquele momento você poderia mesmo ser qualquer uma dessas coisas, e até mesmo outras. Ao longo do tempo, por várias causas e condições, suas opções foram se restringindo a tal ponto que foi preciso escolher uma delas ou até mesmo outra que nunca havia dito quando criança. A Inteligência de Liberar liberta o outro dos rótulos, entende que o outro é um ser livre, repleto de possibilidades, e que aquilo que ele apresenta para nós é uma delas, à qual ele chegou por vários motivos. Voltamos, assim, para a Sabedoria do Acolher, e compreendemos o outro no mundo dele. Desse modo, a Inteligência da Liberar liberta o outro dos rótulos, mas também nos liberta de nossas ideias preconcebidas em relação ao outro e a nós mesmos.


Portanto cabe em nós a reflexão e ação onde as Cinco Inteligências são inteligências relacionais, empáticas, e nos ajudam a aprofundar o olhar. Acreditamos que as relações – sejam elas quais forem – se estabelecem a partir da empatia, mas que é preciso ampliar a visão para além da convivência ou mera tolerância.

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